sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Contando Carneirinho



Algumas coisas interessantes aconteceram e eu estava doida pra contar, mas devido as 1001 atribuições diárias, não pude dispensar tempo para isso. Então, resolvi compensar hoje. 
Dia 1º de setembro, quinta-feira, foi um dia atípico. Na quarta-feira, dia anterior, fiquei sabendo que teria um Tribunal do Júri em Muriaé. Para quem não sabe, faz parte do meu estágio curricular assistir algumas audiências e, no período em que eu me encontro, último, preciso assistir algumas decorrentes de ações penais. Pois bem, foi marcado para chegarmos ao fórum 08:30, pois o juiz encarregado queria passar algumas instruções aos estagiários presentes. Para aguardar o Magistrado, que se atrasou um pouco, ficamos na porta do Tribunal, e, por coincidência, descobri que era uma ação do foro da cidade na qual morei desde que nasci, cujo fato eu tomei conhecimento na época, que aconteceu em frente a minha casa e cujos envolvidos eu conhecia. 
Entramos no Tribunal e o juiz, muito atencioso e preocupado com o nosso aprendizado, começou a nos explicar como tudo funcionava. Nos mostrou os autos do processo e o instrumento utilizado como arma do crime. Nos explicou também como funciona o processo penal e tudo que aconteceu antes, até a decisão de pronúncia, que submeteu o acusado a essa audiência. Logo após, foram feitos os procedimentos para o início do julgamento.
Recolhidas as testemunhas, selecionados os jurados, que fazem um juramento, explicadas as regras e chamado o réu, vulgarmente chamado de "Carneirinho" (???), a audiência se inicia. Primeiramente, são inquiridas duas testemunhas da defesa. Primeiro as perguntas do advogado e, depois, do Membro do Ministério Público. Enquanto tudo isso acontecia, nós, estagiários, anotamos tudo para elaboração de um relatório. Conversa vai, conversa vem, Carneirinho pra cá, Carneirinho para lá, por algum motivo, presto atenção na blusa que eu estava vestida e, por uma coincidência absurda, ela era toda estampada de carneirinho! Juro! Quantas pessoas possuem uma blusa com estampa de carneiro? Quais as chances de eu ter escolhido uma blusa no meio de tantas, naquele dia? Foi motivo de piada, obviamente, o julgamento inteiro! Após a inquirição das testemunhas, nos foi dado uma hora de almoço. Portanto, uma hora depois, retornamos ao Tribunal, e, a partir de então, o Carneirinho foi chamado para ser interrogado. Notoriamente, uma pessoa completamente sem instrução, que infelizmente se contradisse e mentiu, atrapalhando sua defesa. Ele estava sendo acusado de matar um homem com um cassetete de madeira. Depois de ter sido interrogado, chegou a hora do advogado do acusado expor suas teses de defesa aos jurados, bem como do Promotor expor sua acusação. Tivemos réplica e tréplica. O promotor pediu a condenação e o defensor sustentou legitima defesa, lesão corporal seguida de morte, o chamado preterdolo, e que o acusado estava tomado por forte emoção. Enquanto esse debate ocorria, eu observando tudo muito atentamente, vi pintado um quadro muito interessante - a disposição das pessoas no Tribunal demonstrava uma realidade um tanto quanto triste. De um lado, encontramos o conselho de sentença, ou seja, os jurados, muito próximo às mesas dos oficiais, Promotor e Juiz. Do lado oposto, a mesa do advogado e, no canto, um pouco isolado eu diria, três cadeiras: duas para os agentes penitenciários e, a do meio, do réu. Pensando sociologicamente, eu enxerguei pessoas estudadas, técnicas, todas de beca preta, imponentes, cheias de teses, argumentações, palavras difíceis, termos em latim, cafezinhos, sorrisos e, do outro lado, uma pessoa extremamente simplória, sem estudo, sem noção de família, que mal sabia falar, sem noção de certo e errado e que não estava entendendo nenhuma palavra que estava sendo dita ali. Do outro lado da linha imaginária, que surgiu para mim, o lado da beca preta, dos técnicos e do "juridiquês" estava nada mais, nada menos, que decidindo a vida daquele que estava lá de cabeça baixa, de laranja e que mal soube falar. Sem dizer que, quem iria efetivamente julgar o acusado, eram pessoas que possuem a realidade diferente da dele e que não têm conhecimento técnico para entender o que estava sendo apresentado a eles, ou seja, distante de um e de outro.  Deixando claro que essa impressão está isenta de opinião quanto à conduta praticada, mas tão somente atenta à situação, digamos, social.  Por ultimo, retiraram todos para a votação. Houve algumas alterações nos procedimentos do Tribunal do Júri, se aproximando ao modelo Norte Americano. Dessa forma, apareceram alguns quesitos, que são usados pelos jurados na votação, que seriam: materialidade, autoria e o que o juiz chamou de "quesito chave", que nada mais é que a absolvição ou não, que leva em consideração cada ponto tocado nas teses de defesa e acusação. O réu foi condenado por homicídio qualificado a uma pena de 15 anos de reclusão, devendo ser cumprida, inicialmente, em regime fechado. E eu, claro, acusada de querer formar uma torcida organizada, por estar usando a blusa estampada de carneirinho! É mole? 


                                                                                                                                       Débora Reis
                
                                                                                                                                          

2 comentários:

  1. Algumas coisas interessantes aconteceram e eu estava doida pra contar, mas devido as 1001 atribuições diárias, não pude dispensar tempo para isso. Então, resolvi compensar hoje.
    Dia 1º de setembro, quinta-feira, foi um dia atípico. Na quarta-feira, dia anterior, fiquei sabendo que teria um Tribunal do Júri em Muriaé. Para quem não sabe, faz parte do meu estágio curricular assistir algumas audiências e, no período, em que eu me encontro, último, preciso assistir algumas decorrentes de ações penais. Pois bem, foi marcado para chegarmos ao fórum 08:30, pois o juiz encarregado queria passar algumas instruções aos estagiários presentes. Para aguardar o Magistrado, que se atrasou um pouco, ficamos na porta do Tribunal, e, por coincidência, descobri que era uma ação do foro da cidade na qual morei desde que nasci, cujo fato eu tomei conhecimento na época, que aconteceu em frente a minha casa e cujos envolvidos eu conhecia. (...).

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  2. Muito legal a analise que você fez do que eu chamaria de maquina da justiça.

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